Kira Luá
Seres Imaginários “invadem” a Gravura Galeria
Exposição da artista Kira Luá destaca “criaturas” coloridas feitas em papel machê
A partir do próximo dia 27 de junho, a artista plástica Kira Luá irá mostrar suas criações na Gravura Galeria. A exposição, que ficará em cartaz até 28 de julho, é a primeira de uma série que comemorará seus 25 anos de arte, iniciados em 1987, na cidade paulista de Mogi das Cruzes.
Ela também apresentará, quase simultaneamente, trabalhos em Canela e Gramado. Na cidade de Canela, a Praça João Corrêa recebe duas instalações e uma escultura de Kira. Já em Gramado, além de exibir uma escultura de três metros de altura, o Kikitóide, em homenagem a Elizabeth Roselfeld, criadora do Kikito “original”, ela fará uma retrospectiva completa de sua carreira, no Centro Municipal de Cultura, em agosto.
Paulistana, mas que há nove anos reside no Rio Grande do Sul, entre Porto Alegre e Gramado, Kira Luá desenvolve um trabalho único, com muita criatividade. Seus “Seres Imaginários”, que dão nome à exposição na Gravura, são criaturas com formas inusitadas e muito coloridas.
Modeladas na maioria em papel machê, elas trazem a marca das mãos de Kira, que também incorpora os pregos, outro elemento forte em seu trabalho, na modelagem. Lúdicos e alegres, os seres permitem diversas interpretações, dependendo do imaginário de quem os vê.
Segundo a filósofa, antropóloga e poetisa Virgínia Momberger, “as criaturas de Kira coloridas saltam aos olhos como os insetos faziam na infância, quando enxergávamos melhor, de forma que sua arte torna-se, além de veículo e vínculo ao subjetivismo, um grito deste pequenino e encantador universo, de fundamental importância ao equilíbrio dos ecossistemas”.
Na Gravura, estarão as “criaturas” mais recentes de Kira. Seres que para Isabel de Castro, doutoranda e professora de Artes da ESPM, podem ser considerados Toy art. “Nas suas peças, vemos que as formas e as proporções têm um humor convidativo ao toque e ao jogo. Paradoxalmente, são peças para serem expostas e visam aos adultos, no máximo aos adolescentes, que gostam de colecionar. Esta é a definição do toy art”, explica Isabel.
Exposição Seres Imaginários – de Kira Luá
Local: Gravura Galeria de Arte – Rua Corte Real, 647, Porto Alegre
Abertura: 27 de junho de 2012, quarta-feira, às 20h
Visitação: até 28 de julho de 2012
Horário: de segunda a sexta, das 9h30 às 18h30; sábados, das 9h30 às 13h30
www.gravuragaleria.com.br
Os SERES IMAGINÁRIOS de Kira Burro
No começo, a pintura predominava no trabalho de Kira; depois, a textura foi introduzida. Num processo natural, mais adiante houve o acréscimo de pedrinhas e pedras maiores e, por fim, o acabamento com resina e papelão… Em outras palavras, suas obras são como “extensões” das suas mãos. Eu as vejo como gestos captados no seu instante e encobertos por uma divertida camada de pintura.
A lembrança do mito sobre o nascimento da pintura e da escultura é quase evidente: nele é relatado que a moça, com saudades de seu amado, faz o contorno dele na parede; e o pai, penalizado, preenche este contorno com argila. Assim, a ausência do ser querido era apaziguada com a sua forma em relevo plasmada na parede.
Neste momento, Kira expõe seus SERES IMAGINÁRIOS, esculturas de pequeno e médio porte, que respeitam a escala humana, feitas em papier mâché e resina. Ao vê-las, gostaria de destacar dois aspectos importantes: o lúdico e o tratamento da superfície.
Nas suas peças, vemos que as formas e as proporções têm um humor convidativo ao toque e ao jogo. Paradoxalmente, são peças para serem expostas e visam aos adultos, no máximo, aos adolescentes, que gostam de colecionar. Esta é a definição do toy art.
Os trabalhos são construídos a partir de uma ação manual cuja massa de papel, previamente preparada, é moldada, ganhando acessórios feitos de pregos retorcidos. Kira, desde sempre, trabalha preocupada com o meio ambiente e as questões sociais, utilizando materiais reciclados e sucatas. O procedimento dadaísta é explícito, não só neste re-aproveitamento de materiais, como na solicitação ao jogo junto ao observador. Os pregos perdem a conotação de construção, de preensão ou tortura, viram não pregos, ganham leveza e humor, pois o que importa é o seu desenho como linha. O lúdico se apresenta no primeiro contato visual com a peça, quando os olhos são convidados a percorrê-las e, em seguida, o tato é solicitado, quando há a possibilidade de perceber sua ergonomia e encaixe perfeito nas mãos.
Os objetos são como telas em três dimensões. O tratamento da superfície remete à influência assumida da obra de Joan Miró, pintor moderno catalão e Niki de Saint Phalle, artista francesa, que criou e executou o Jardim do Tarô, com suas figuras gigantes e coloridas. Se Niki se inspirou em Gaudí e Cheval, percebemos uma linhagem de expressão e reflexão, que se confira na liberação de imagens do inconsciente, além do procedimento dadaísta de apropriação dos objetos industriais e do humor irônico. O guia é a liberdade.
Miró aderiu ao método surrealista do desenho automático e soube navegar livremente pela abstração lírica e o expressionismo, criando um mundo que desmontava as teorias vigentes. Uma de suas metas era unir a linguagem da pintura e da escultura. Também, como Kira, se dedicou à cerâmica. Assim, podemos constatar o impacto que a obra de Miró promoveu numa Kira “mochileira” viajando pelos museus da França, no ano de 1991. Aquelas esculturas ficaram gravadas para sempre na memória sensível da artista.
Kira buscou no mundo microscópico, um universo atraente e vigoroso de seres brincalhões. Ora surge um ponto, ora surge o que ela chama de olho do ser. As cores são vivas, luminosas e destacam a mistura de materiais e técnicas, como a colagem, o grafitti e a tinta acrílica. Em todos os trabalhos percebemos que não houve pressa no fazer, tudo foi feito no seu tempo e com muito prazer.
A obra de Kira nos convida a retomarmos o seu fazer e mais, a resgatarmos o que o mito sempre revive no nascimento da pintura e da escultura. Quem sabe, nos convida a visitarmos os nossos seres imaginários também.
Isabel de Castro
Abril/2012