Lygia Vasconcellos – CONSTRUCTO

Lygia Vasconcellos – CONSTRUCTO

Lygia chega ao ateliê de mansinho, aos poucos abre sua caixa de tintas e pincéis, retira dela uma espátula, um pano e uma paleta. Aguardamos o primeiro gesto da artista sobre a tela branca, ainda inexpressiva sobre o cavalete.  Lygia pergunta o que vai fazer, por onde vai começar, e que cores deverá usar. Parece querer a opinião de nós, seus colegas. Mas eu sei bem que ela sabe bem o que todos nós também sabemos tão bem: em alguns instantes mais Lygia vai traçar um rápido desenho de natureza construtiva, primeiro com linhas e planos esboçados com o próprio pincel aguado, que depois serão preenchidos por cores sóbrias que procuram cada uma sobre a tela o seu lugar de destaque. É como se fosse um ritual, uma magia que traz em si própria o encanto de nunca se repetir, neste caso a imagem semelhante à da sessão anterior, isto é, da mesma família das construções, mas sempre diversa e a exibir a possibilidade de um outro ambiente da urbe ao qual a artista precisa retornar, como se ali tivesse deixado algo por ainda ser explorado. E essas pinturas imaginárias, algumas sugerindo zonas industriais em bairros periféricos esquecidos, ou casarões perdidos entre as nuvens, ou castelos enterrados no mar, nascem de gestos adestrados da artista, de um certo rigor crítico no olhar de Lygia, que pinta de maneira ávida e com destemor. São já muitos anos de arte- uns vinte e cinco- em que a artista perpetra experimentações a um tempo contundentes e delicadas. Pelas imagens que constrói, lembrando um pouco a obra de Torres-García, logo arriscaríamos o palpite de que estamos diante de uma arquiteta-pintora. Mas Lygia é psicóloga – e podemos então arriscar sugerir uma similitude: a psicologia necessita reconstituir o arcabouço do edifício psíquico, perscrutar seus meandros e percorrer suas entranhas para dali relacionar e extrair as essências das associações livres. Sua arte funciona mais ou menos assim, quero crer. Lygia revela em suas pinturas, caracterizadas pelo contraste entre aguadas e massas de tinta espatuladas, entre matizes diáfanos e cores primárias, o desassossego do artista em permanente evolução. Lygia foi aluna de Xico Stockinger e de Lou (Elizethe) Borghetti, cujo Atelier ainda frequenta desde seu início na pintura. Esta sua primeira individual abre o calendário 2023 de exposições da Galeria Gravura em sua sede da Rua Corte Real.

Paulo C. do Amaral

Da Academia Brasileira de Belas Artes, RJ

Fotografia: Lisa Ross